quinta-feira, 14 de maio de 2015

Cruzei a rua e encontrei comigo mesmo?




"Sou um homem insignificante, como o senhor não ignora. Para sorte minha, porém, não lamento a minha insignificância. Ao contrário. Muito ao contrário, até me sinto orgulhoso por não ser um indivíduo notável, mas uma criatura medíocre... Só ponho máscara no rosto quando vou a algum baile à fantasia; não sei andar todos os dias pelo mundo com uma máscara pregada na cara".

As palavras são do romance "O Duplo" (1846), onde o russo Dostoiévski explorou o tema do duplo humano, o que foi retomado anos depois por seu conterrâneo e fã-crítico Vladimir Navokov em "Desespero" (1965) – a figura idêntica, ou assim apresentada, de alguém que podemos encontrar na rua por acaso e que se torna uma espécie de obsessão para os personagens principais de ambas as narrativas. O cinema e a televisão já brincaram muito com esse tema através de gêmeos – os estereótipos do bom e do mau – que trocam de lugar visando algum benefício.
Mas será que estaríamos preparados para encontrar com alguém cujos traços físicos dessem um nó em nossa mente de tão semelhantes com os que vemos no reflexo do espelho diariamente? Alucinação ou realidade? A gente iria fugir, perseguir, investigar a vida, ficar com inveja do que aquela pessoa faz e nós talvez não sejamos capazes? Carisma, beleza, dinheiro... O velho dilema de querer ser e ter alguma coisa a mais dentre nossas qualidades. E, hipoteticamente, se a situação fosse pior ainda: uma pessoa idosa vendo a si própria na figura da juventude? Refazer a vida, aí já renderia outra discussão, ainda mais delirante.
Que loucura! Quando mente e corpo físico entram em guerra é difícil prever qual vai ser o final. Somos todos seres sociais, influenciados pelo meio desde que nascemos e tendo que passar por adaptações até o final da vida. Somos animais, mas muitas vezes nos esquecemos disso e fingimos pretensiosamente que somos seres superiores aos demais. Sem exageros, pois como diria, séculos atrás, Calderón de La Barca (vou fazer citação de novo), "toda a vida é sonho". Enquanto isso, talvez seu duplo esteja passeando por algum lugar deste mundão.