sábado, 12 de setembro de 2015

A Noite de Adelaide (uma peça inédita)




Quando se está acostumado a abdicar tão cedo de sua identidade, perde-se a noção do que é natural, verdadeiro, e a gente se torna cúmplice da nossa própria mentira. Perdi-me nisso e não sei mais o que faço por aqui, se valeria a pena insistir nesse esforço doentio de agradar na arena das feras. A pior perda é aquela que tira nosso melhor. Por que perder tempo se estamos todos condenados à morte?


Selecionei algumas passagens de uma peça que escrevi durante um tempo e que quero muito que seja encenada durante esta encarnação (exagerado isso?). É a história de um jovem escritor que, durante uma noite, visita a propriedade de uma aristocrata que aguarda a volta de seu filho. Eis as cenas... E, se por acaso, alguém do ramo, estiver interessado, é só me procurar (não custa sonhar...). Mas nunca se esqueçam de Adelaide.


TRECHO 1
"Não perdi minha vida por essa história. Ando muito vivo. E sou um escritor. Isso significa que minha vida é boa demais porque me sinto dono de uma graça, uma dádiva dos deuses, talvez. Mas confesso também que não devo ter agido como a melhor das pessoas. Um homem que precisa se aproveitar dos outros para criar as próprias histórias pode ser considerado uma alma boa? A mulher que vão conhecer daqui a pouco é única. Não existem outras por aí. É só uma história que eu vivi."


TRECHO 2
ADELAIDE: Por que você nunca ri ao meu lado, Bernadete? Não está feliz?
BERNADETE: Estou sim. É só o meu jeito mesmo, senhora. Você me conhece.
ADELAIDE: Você sempre passou tanto tempo com os seus livros. Sorte sua que o papai te deixou ir pra escola. Se não você seria só mais uma dessas empregadas burras da fazenda, aquelas caipiras. Eu não imaginava que mamãe fosse viver tantos anos mais que papai. Ele era tão forte. Já mamãe era cega. Cega e velha... Você já passou o meu vestido? Aquele, o vermelho?
BERNADETE: Sim, ele está pronto.


TRECHO 3
PETER: Essa noite foi tão estranha que eu não recordo o que de fato aconteceu. Ou o que sonhei. Bem... Eu sonhei que ela tinha me dado um tiro. Eu estava me vestindo. E quando me virei, Adelaide apontava um revólver na minha direção. Foi aqui ao lado da barriga. Ela me deixou agonizando.
FERNANDO: Não. Isso nunca aconteceria, meu caro. Ela tinha uma mira péssima. Sabia fazer outras coisas terríveis, mas com armas, não. Deve ter sido o trauma de ver o pai morrer baleado na frente dela.
PETER: O que eu fiz? O que a foi que a gente fez?
FERNANDO: Não fizemos nada, Peter. Não foi necessário.

domingo, 6 de setembro de 2015

Seu reflexo já foi visto?



"É como se a gente precisasse de provas de que a gente existe. Se eu não sou a prova pra mim mesmo de que eu existo, eu preciso de provas... Como se o outro sabendo, eu realmente fiz" (Teresa Pinheiro)


Existe um mundo repleto de pessoas buscando seu lugar ao Sol... E neste mesmo lugar há os padrões que se repetem e tendem a ser seguidos desde a infância, desde o estereótipo da menina cheia de enfeites e do menino tendo que gostar de futebol até o do adulto de sucesso, aquele sujeito que troca tudo a cada nova coleção. Isso me leva a crer que forja-se a criação de uma personalidade imitadora e que, por sua vez, infelizmente, reverbera para outros campos da vida. Tantas pessoas que fingem gostar de certas coisas, exibem-se junto a grupos populares em seu meio e falam de alguns assuntos só para parecer mais legal ou "cult". Uma busca incessante do sujeito pelo reconhecimento e a admiração, querendo provar para si que realmente é bom.
Hoje fala-se demais nessa geração "selfie", que posta em suas redes sociais coisas das mais variadas, seja o prato de comida, uma foto no banheiro ou todos os passos que dá fora de casa. Mas, obviamente, a tendência copiadora e exibicionista do ser humano existe há sei lá quanto tempo, ficando muito claro, imagino, a partir do século 20, graças ao alcance das massas por meio do cinema e da televisão, lançando tantas modas quanto fossem possíveis por meio de penteados, sapatos, bordões, hábitos, bebidas e tudo que pudesse dar lucro.
A minha geração entrou nessa de redes sociais há 10 anos, por meio do finado Orkut, enveredando em seguida pelo Facebook . E vieram uma porção de aplicativos de fotos, paqueras, escapismos... Hoje podemos transformar qualquer imagem tirada por acaso em uma postagem cheia de "hashtags", legendas bizarras e interpretações um tanto diferentes das intenções originais. E pensar que até o começo dos anos 2000 ainda íamos a uma loja comprar o filme (12, 24 ou 36 poses...), tínhamos que escolher os melhores ângulos para a hora do flash e torcer para que nenhuma foto queimasse. Agora, nada disso! Tire 100 selfies em seu quarto, faça uma triagem, veja as cinco melhores e aí sim use uma para para cada uma de suas redes sociais. Depois é só esperar as curtidas e receber aqueles elogios de "lindo" e você, todo orgulhoso, finge-se de humilde e diz "Que nada, são seus olhos".
Já defendi aqui numa postagem recente que acho melhor termos excesso de informação do que falta, mas o bom senso e um pouco de autocrítica fazem bem na hora de escolher o que escrever e compartilhar. Muitos têm voz, mas o silêncio às vezes tem mais valor a longo prazo.
A frase com a qual abri o texto está na palestra abaixo, "Narcisismo e depressão", proferida pela psicanalista Teresa Pinheiro, que fala de forma brilhante sobre o tema. O programa "Café Filosófico" é exibido pela TV Cultura nas noites de domingo e, para nossa alegria, vários de seus vídeos estão disponíveis na internet.




terça-feira, 1 de setembro de 2015

Desaparecidos no universo, perdidos neste mundo?



"Um filósofo é um homem que vive, sente, escuta, suspeita, espera e sonha sempre com coisas extraordinárias, que parece colher as próprias ideias de fora, do alto e debaixo, como uma espécie de acontecimentos apenas a ele reservados e que chegam até ele como raios, e talvez, ele mesmo seja um furacão, prenhe de raios, um homem fatal, em torno do qual se ouve incessantemente o ruído sinistro do trovão.
Um filósofo, infelizmente, é por vezes um ser que foge de si mesmo, que freqüentemente tem medo de si, mas que é muito curioso, para deixar de voltar, sempre, para si mesmo." (Friedrich Nietzsche - "Além do Bem e do Mal")

Seres tão minúsculos na vastidão do cosmos. Um planeta gigante, mas é tudo tão pequeno na verdade. Somos muita complexidade num só corpo e, ao mesmo tempo, tão pouco. Achamos as formigas pequenas, as gotas do orvalho pela manhã, o filhote de passarinho no ninho. Sem contar as coisas invisíveis a olho nu... O silêncio e os sons naturais podem ser tão fascinantes para relaxar uns quanto a agitação é intrínseca à vida de outros. Contrastes do campo com a cidade, as trilhas da floresta versus as agitações da "night", as buzinas e a cachoeira, engravatados e pés descalços. Quem nunca teve a sensação de que este nosso mundo parece comportar vários dentro de um só? Certas vezes pode parecer até sonho. Aconteceu ou não tal coisa? Eu fui àquele lugar uma vez ou simplesmente imaginei? A diversidade de pessoas e cenários é fascinante e assustadora ao mesmo tempo.
Acredito eu que por isso existam fugas das mais diversas formas... Pode ser uma refúgio na religião, na intelectualidade filosófica e literária (coincidência ou não...), na arte, nas festas constantes, num casamento, uma penca de filhos, os vícios, a loucura... Nossa! A gente não aguenta viver numa situação que não traga algum conforto, o próprio corpo dá sinais, até mesmo para os menos exigentes.
Como o ser humano é um bicho doido que tenta atingir alguma meta na vida para, depois de alcançá-la, começar a se sentir simplesmente vazio! Talvez tenha sido fácil demais. Ou não, apenas não correspondeu às expectativas. E há os que simplesmente desistem, cortam o fio da vida para, talvez, alcançar a transcendência, viver em um lugar supostamente melhor.
Divagações excessivas à parte neste meu momento um tanto introspectivo e apreensivo quanto ao meu futuro e o da Terra, deixo abaixo o trailer deste belo documentário - "Koyaanisqatsi - Uma Vida Fora de Equilíbrio" -, que, apropriadamente, nos coloca como observadores de nosso próprio planeta, fazendo parecer que nos esquecemos de que aqui estamos, talvez perdidos em nossas rotinas, inconscientes da dimensão deste lugar e numa competição cotidiana com nossos vizinhos humanos, buscando atenção, sucesso, amor... e o que mais nos convier.
Blá-blá-blá meio doido acabando, o que acho bom mesmo, honestamente, é esquecer tudo de vez em quando. Buscar demais pode nos deixar mais perdidos ainda nesta vida finita. Prioridades feitas, fiquem com o vídeo ou vão direto para o documentário se o encontrarem.