quinta-feira, 25 de junho de 2015

A delicadeza do envelhecimento



Os músculos do rosto da aniversariante não a interpretavam mais, de modo que ninguém podia saber se ela estava alegre. Estava era posta à cabeceira. Tratava-se de uma velha grande, magra, imponente e morena. Parecia oca. (...) Cada ano vencido pela aniversariante era uma vaga etapa da família toda. (conto "Feliz Aniversário", do livro "Laços de Família", de Clarice Lispector)



Dia desses, assisti a um filme chamado "As Baleias de Agosto" (1987), dirigido pelo britânico Lindsay Anderson e estrelado por duas lendárias atrizes: Lilian Gish (1893-1993) e Bette Davis (1908-1989). Além do clima poética que permeia a obra e seu fantástico elenco de veteranos, o que me levou a escrever este breve texto foi justamente o tema muitas vezes deixado de lado: lidar com o envelhecimento e a proximidade da morte.
Em uma sociedade onde o culto à beleza e o prolongamento da juventude parecem máximas, falar de velhice muitas vezes reduz-se ao universo médico e a pessoas ligadas à essa faixa etária. O valor da experiência, a força de pessoas que passaram por décadas, guerras mundiais, novas tecnologias... fica em segundo plano. Pessoas que resistiram a todo tipo de crise e dor, mas que, infelizmente acabam relegadas ao plano da fraqueza, o quarto escuro e fechado nos fundos, sem autonomia e poder de decisão.
Com meus 24 anos, tendo avós na faixa dos 80 e vendo constantemente matérias sobre o aumento da expectativa de vida, fico, é claro, fascinado pelo tema. Não à toa já escrevi uma porção de textos com personagens idosos (alguns neste blog). Às vezes, a identificação é tanta que acho que tenho alma de idoso. Mas aí já é outra história...
O fato é que todos dizem que preferem morrer a ficar um ser humano debilitado e dependente, mas, como bem sabemos, só não fica velho quem morre novo. E a não ser que você tenha os genes e o dinheiro de Jane Fonda, os anos vão passar sim e as rugas irão ficar notáveis no seu rosto. É a vida. E a morte.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

O estranho prazer de escrever e uma história resendense


É engraçado esse negócio de escrever continuamente em um blog, além dos projetos mais longos (leia-se ambiciosos) para tentativas de publicação, encenação etc. Mas é inegavelmente uma bela e divertida jornada que vai desde o surgimento da primeira ideia com potencial até o último ponto final em que se nota efetivamente a transformação do pouco em algo maior, com certa lógica.
Aqui neste espaço, além de vários contos e textos de opinião já postados, já publiquei também trechos de um projeto literário em desenvolvimento (em breve mais). Desta vez, gostaria de dar uma prévia de um novo projeto, talvez um pouco mais pretensioso. Seria como o teaser de um filme em produção.
É um roteiro, narrativa passada quase que inteiramente em minha Resende, cidade fluminense localizada na divisa entre três estados e dona de uma longa história (pra quem não conhece, ela fez parte do ciclo do café no século XIX). A cena destacada mostra a conversa entre dois grandes amigos, nos seus vinte e poucos anos de idade, sentados à frente de um casarão em 1944. Que saia do papel para as telas! Acompanhe:


ALBERTO: E então, Peter? O que achou dos tipos que frequentam minha casa? Já encontrou personagens?
PETER: Não concordo com metade do que dizem, mas não posso negar que eles tenham personalidade.
ALBERTO: Personalidades hipócritas, você quer dizer? Chauvinistas... E mamãe sempre falando aquilo, da mesma forma. Não perde aquela pose.
PETER: Aquilo o quê?
ALBERTO: Coragem. Sempre discursando sobre coragem. Os fortes em cima dos fracos. Vingança. Parece que o mundo foi feito para servir os donos do poder. E aquele patriotismo besta? Mandam um miserável pra guerra e quando o corpo dele é explodido, o governo informa pra família que ele deu a vida pelo país. No lugar do filho fica uma medalha fria pendurada na parede.
PETER: Você sabe que compartilho da mesma opinião, mas, Alberto, você mesmo havia comentado uma vez que queria se inscrever.
ALBERTO: Foi coisa de momento, Peter. Você me conhece muito bem. Hoje eu não iria mais. Pra quê? Só pra impressionar mamãe? Esse é o drama de filho único. Não ter com quem dividir s expectativas de Lady MacBeth. Não quero posar de homem corajoso, orgulho da família... Isso não é garantia de nada.