Separation, de Edvard Munch |
FIM
Durante a infância, na casa
em que morávamos, eu tive muitas vezes a visão de um homem sério, alto, que
ficava a me encarar. Meus pais nunca acreditavam em mim e eu acho que eles nunca
perceberam nada de errado. Como ficamos na casa por menos de um ano, depois de
lá eu nunca mais vi aquele homem de novo. Mais tarde, quando já era adulto,
resolvi pesquisar e descobri que um senhor morou na casa com a esposa, que
acabou morrendo ao dar à luz. A criança também não sobreviveu. Sem ânimo para a
vida, o homem optou por causar seu próprio fim.
(Joseph Wilder.
Northampton, Inglaterra)
ELE FOI
Desde que meu marido morreu,
eu não vivo mais. Cada retrato, quadro na parede, peça de roupa, o perfume,
tudo que sobrou dele. Não me desfaço. Eu o sinto em cada canto da casa. Foram
muitos anos de convivência. Não consigo largá-lo. Ou é ele que não pode ficar
longe de mim. Uma mistura de saudade com o medo. Talvez eu nunca mais vou ser
feliz de novo. Se não tivessem lhe tirado a vida, hoje nós estaríamos juntos,
deitados em nossa cama. Não sei o que acontece do outro lado, mas deve ser
melhor do que esse mundo sombrio em que estou.
(Giulia Cardinale.
Siena, Itália)
VENTOS
Já tem muitas décadas que
moro aqui nesta mesma casa e tenho que confessar. Sim, eu já tive algumas
experiências bem incomuns. A que eu mais me lembro ocorreu quando meus filhos
eram pequenos. Durante uma noite, eles me acordaram dizendo que havia duas
crianças batendo na janela do quarto. Eu olhei bem ao redor da casa, mas nunca
via qualquer sinal de gente. Nem de bicho. Era uma noite bem fria, o mar
agitado e o vento não sossegava.
Conversando com pessoas mais
velhas aqui da região, eles me falaram da lenda de dois irmãos que morreram
afogados num naufrágio muito tempo atrás. Eles apareciam a cada ano para uma
família que tivesse crianças, sempre no aniversário de morte.
(Marta Oliveira. Cabo
Frio, Brasil)
LÁBIOS VERMELHOS
Como aqui é uma região
afastada e cheia de montanhas, só de olhar a gente já se perde na paisagem. É
tão bela, mas assusta também. Quando eu era moço, rapaz começando a viver, naquelas
festinhas na comunidade, com as músicas e comidas que o povo sabia fazer
tão bem, sempre vinham alguns visitantes, pessoas de fora, para
confraternizarem com a gente.
Numa noite daquelas, veio
uma moça tão bonita, das mais belas deste mundo. Tinha o rosto de um encanto
que eu nunca mais tive a chance de ver na vida. Nas noites seguintes, nós
sempre nos encontrávamos e tínhamos muita conversa. No começo era uma coisa
ingênua, sem malícia, mas valia cada segundo. Depois não resistimos e nos
entregamos. A moça dizia que estava acompanhada de uns parentes e sempre ia
embora na manhã seguinte, no meio do grupo que
vinha de fora. No último dia, antes de sair da cidade, ela deixou anotado o
endereço de onde morava, um lugarejo que eu não conhecia, mais ao sul.
Quando resolvi ir até lá,
acabei parando em uma colina, região afastada de casas. Aquele era o nome e o
endereço da mulher. Laura. O sobrenome não me lembro mais. Estava morta ali,
sua lápide de concreto rachado e a foto amarelada do rosto que me fascinou. Passados mais
de sessenta anos, já viúvo e com meus filhos, netos e bisnetos, aqui ainda
estou a me lembrar daquele rosto muito claro, como leite, olhos negros e os
lábios tão vermelhos. Eu nunca mais a encontrei na minha vida.
(Christopher Wright. Whangarei, Nova Zelândia)
BEM-VINDO
Todo mundo vê fantasmas nesta
cidade. É o estresse, a violência nas ruas, as tragédias na televisão, são as
drogas, os remédios para dormir e sossegar. O que você espera? Algo diferente
disso? Assombrações são o que menos me assustaria se eu visse por aqui. Ainda
mais nos Estados Unidos da América.
(Dr. Daniel H.
Robbins, PhD, psiquiatra, Nova York, Estados Unidos)
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